Durante o 21º Acampamento Terra Livre, os povos indígenas reafirmam a importância da luta coletiva na defesa de seus direitos

Os povos originários exigem estar no centro do debate climático — não como meros espectadores, mas como os verdadeiros guardiões da Terra que sempre foram. Eles não pedem favores: reivindicam o que já lhes é garantido por lei — o direito às suas terras ancestrais, à sua cultura, à vida. Exigem ser ouvidos e considerados nas decisões que impactam o planeta.

Enquanto todas as atenções se voltam para o Brasil como sede da COP 30, os povos indígenas reivindicam protagonismo na agenda climática durante a maior mobilização indígena do país.

Com cantos, danças, rituais e a presença de mais de 8 mil indígenas, a capital do Brasil transformou-se novamente em um grande palco da força ancestral durante o 21º Acampamento Terra Livre (ATL), demonstrando a capacidade de organização dos povos originários em nível nacional e internacional.

O ATL não é apenas um evento: é um grito coletivo, um clamor ancestral por justiça, respeito e preservação de direitos em um país onde os retrocessos sociais, legislativos e ambientais se acumulam em velocidade alarmante — muitas vezes, às custas do sangue indígena. Os povos originários nos lembram que o futuro só será possível com reconexão e respeito à Mãe Terra.

Nos últimos anos, os povos indígenas vêm enfrentando graves violações aos seus direitos humanos. A Lei nº 14.701/2023, conhecida como “lei do marco temporal” ou “lei do genocídio”, além de instituir a inconstitucional tese do marco temporal — já rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — trouxe uma série de violações aos direitos constitucionais dos povos indígenas. Essa lei, que regulamenta o artigo 231 da Constituição, foi aprovada sem consulta prévia aos povos afetados.

Ela fragiliza direitos constitucionais, permite indenizações a invasores de terras e ameaça reabrir a discussão sobre mineração em terras indígenas — tudo isso sem garantir o direito fundamental à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado, como assegura a Convenção 169 da OIT, norma com status supralegal no Brasil.

Os povos indígenas questionam a constitucionalidade da lei no STF. No entanto, ela ainda não foi suspensa. Pelo contrário: sob a justificativa de pacificar os conflitos, o Supremo decidiu criar uma câmara de conciliação para negociar direitos que, na realidade, são inegociáveis e inalienáveis. Esse processo ocorreu sem diálogo intercultural e de boa-fé, e representa uma tentativa de legitimar a regulamentação de atividades econômicas em terras indígenas, sem levar em conta as especificidades culturais.

Os retrocessos levaram três relatores especiais da ONU a manifestarem, em fevereiro, preocupação com os debates em curso na mesa de conciliação do STF. Diante desse cenário de repercussão internacional, os documentos produzidos pela relatoria podem ter influenciado o relator dos processos a retirar a temática da mineração em terras indígenas das discussões da mesa de negociação.

Ao invés de avanços, assistimos à dominação de interesses ruralistas, grupos econômicos e conservadores que buscam reescrever a Constituição para excluir justamente aqueles que sempre estiveram aqui. São os mesmos grupos que atacam a democracia e as instituições do estão. A violenta repressão policial contra mulheres, anciãos e até crianças indígenas durante manifestações pacíficas é uma ferida aberta — uma lembrança brutal de que, para o Estado, o indígena ainda é tratado como inimigo a ser removido.

Mas há resistência. Há beleza. Há força. Há união. Do norte ao sul, do leste ao oeste, os povos indígenas seguem mobilizados e vigilantes. A criação da Comissão Internacional Indígena para a COP-30, durante o ATL, é um gesto simbólico e prático de retomada. Os povos originários exigem estar no centro do debate climático — não como meros espectadores, mas como os verdadeiros guardiões da Terra que sempre foram. Eles não pedem favores: reivindicam o que já lhes é garantido por lei — o direito às suas terras ancestrais, à sua cultura, à vida. Exigem ser ouvidos e considerados nas decisões que impactam o planeta.

Ecoam suas vozes: “não há solução para a crise climática sem a demarcação dos territórios indígenas.” A ciência não indígena começa, aos poucos, a reconhecer o que os povos tradicionais sabem há séculos: preservar a floresta e as águas é preservar a vida e garantir um futuro sustentável. Agroecologia, economias indígenas, gestão coletiva, espiritualidade conectada à natureza — esses não são conceitos futuristas, mas práticas ancestrais com poder real de regenerar o planeta.

Enquanto muitos ainda veem os povos indígenas como parte do passado, como se estivessem “congelados no tempo”, é deles que pode emergir o futuro. Um futuro mais justo, equilibrado e sustentável. Por isso, mais do que solidariedade, o momento exige escuta — escuta verdadeira e intercultural, sensível, política e prática. Ouvir os povos indígenas é, no fundo, ouvir as batidas do coração da Mãe Terra, que clama por socorro.

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