A Relatora das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Ashwini K.P., publicou o seu relatório de visita ao Brasil, ocorrida entre 5 a 16 de agosto do ano passado. O relatório de visita será apresentado no dia 7 de julho, durante o item 9 da agenda da 59a Sessão do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra. À ocasião, a Relatora apresentará um resumo oral da visita e o Estado brasileiro, na qualidade de Estado concernido, apresentará também suas observações na plenária do Conselho.
Em seu relatório, Ashwini apontou ambos avanços e desafios no enfrentamento do racismo e da discriminação racial no Brasil. Por exemplo, ela reconheceu os vários programas de medidas temporais especiais (ações afirmativas), mas lamentou que essas medidas não têm alcançado grupos de mulheres como mulheres indígenas, quilombolas e ciganas. Por exemplo, notou que “os ciganos não conseguem ter acesso a programas de ação afirmativa, apesar de sofrerem discriminação racial sistêmica e desigualdade. Esta não inclusão da comunidade cigana na categoria de grupos raciais ou étnicos marginalizados resultou na sub-representação da comunidade cigana no ensino superior.”
A Relatora elogiou a criação do Ministério de Igualdade Racial, do programa Juventude Negra Viva
Juventude Negra Viva e dos esforços no reconhecimento cultural e memorialização dos grupos étnicos e raciais, como os 102 locais de memória, incluindo os pontos de chegada de africanos escravizados. Também elogiou a criação do Hub Igualdade Racial.
Em termos estruturais, mostrou preocupação com a falta de uma Instituição Nacional dos Direitos Humanos, nos moldes dos Princípios de Paris. Hoje, no Brasil, o CNDH, foi criado e projetado para este fim.
Sobre povos indígenas, Relatora se soma aos demais especialistas da ONU a condenar a tese do marco temporal, destacando que “a demarcação de terras é um passo fundamental que deve ser dado para desmantelar o racismo sistêmico e reduzir a violência racializada contra comunidades indígenas e quilombolas.” E continua, dizendo que “a invasão contínua de terras indígenas e quilombolas – uma manifestação de racismo sistêmico – prejudica significativamente o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável para todos.”
Sobre discriminação interseccional, a Relatora relatou a situação das mulheres discriminadas racial e etnicamente, apontando que mulheres brasileiras de grupos étnicos e raciais marginalizados estão posicionadas na dura interseção entre misoginia, sexismo, racismo e classismo, aprofundando a marginalização e aumentando a vulnerabilidade à violência e ataques implacáveis à sua autonomia corporal. Ela destacou que “o feminicídio entre as mulheres brancas está diminuindo, enquanto o feminicídio entre as mulheres afrodescendentes está aumentando” e que “o impacto do estupro na vida de mulheres de grupos raciais e étnicos marginalizados pode ser exacerbado pela falta de acesso adequado aos direitos de saúde reprodutiva, particularmente o direito ao aborto seguro e legal.”
Seu relatório destaca uma seção à pobreza e discriminação racial na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Um ponto marcante de seu relatório foi a identificação de segregação espacial generalizada ao longo de linhas raciais e étnicas, com pessoas de ascendência africana vivendo desproporcionalmente em favelas e áreas periféricas urbanas.
A brutalidade policial e o racismo foram um tema central no relatório, para além do eixo Rio-São Paulo. A Relatora apontou com preocupação a violência perpetrada contra ciganos por policiais no estado da Bahia, incluindo o assassinato de oito pessoa e um ataque brutal contra um adolescente.
O IBDH realizará uma palestra com a Relatora no dia 12 de junho, inscrições gratuitas aqui.
O IBDH também elaborou uma tradução livre do relatório de visita, disponível aqui.
Confira aqui o relatório de visita na versão oficial em inglês.