CEDAW Adota Recomendação Geral 40 sobre Representação Igual e Inclusiva da Mulher em Processos Decisórios

Paridade de gênero passa a ser um standard codificado, consolidado pelo Comitê CEDAW, a partir dessa nova Recomendação Geral
A Membra-Relatora da RG40, Nicole Ameline. Foto: UN TV


Texto da Recomendação Geral No. 40

Texto em português da RG40 (tradução elaborada pelo IBDH)
Texto original em inglês da RG40

O Comitê contra a Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotou hoje, 25 de outubro de 2024, a “Recomendação Geral No. 40 sobre Representação Igual e Inclusiva de Mulheres em Processos Decisórios“, após quase dois anos de debates e consultas com estados, sociedade civil e comunidade acadêmica.

Para o Comitê, a ausência prolongada e estrutural de mulheres nos processos decisórios globais priva o mundo do potencial de metade de sua população. Por conseguinte, a implementação de paridade como um direito fundamental requer ação sistemática. O número crescente de crises e mudanças disruptivas no mundo, como as mudanças climáticas e conflitos prolongadas, demonstra que a governança global falhou em garantir paz e segurança. É tempo de refletir sobre o modelo clássico de governança.

O Comitê, através da Recomendação Geral 40, oferece diretrizes aos Estados partes da CEDAW para alcançar a representação igual e inclusiva das mulheres nos diversos sistemas decisórios, nos âmbitos público e privado. Ademais, a rápida digitalização e o desenvolvimento de novas tecnologias, como a inteligência artificial tem um impacto crítico em processos decisórios e necessitam ser estruturados de maneira a promover igualdade material de mulheres em homens. Também, segundo o Comitê, a Recomendação Geral No. 40 tem o objetivo de inciar uma nova abordagem baseada na paridade como princípio central e força motriz tranformativa.

O Processo de Elaboração da RG 40

Na sua 88a sessão, O Comitê CEDAW trabalhou junto à ONU Mulheres e a União Interparlamentar, em cosulta com Estados partes, organizações regionais, INDHs, ONGs e instituições acadêmicas para a elaboração da Recomendação Geral 40.

O Comitê CEDAW também organizou quatro reuniões de especialistas sobre paridade como resposta à crise atual dos sistemas de governança, inteligência artificial, representação igual e inclusiva da mulher nos sistemas decisórios internacionais, e decisão igual e inclusiva da mulher no local de trabalho. Na 88a sessão, em maio de 2024, o Comitê organizou uma reunião técnica com Estados partes sobre a minuta e o respectivo processo de elaboração. À ocasião, a presidenta do Comitê, Ana Peláez Narváez afirmou que “às vérsperas do 500 aniversário da primeira conferência mundial na Cidade do México, do 30o aniversário da Plataforma de Ação de Beijing e do 25º aniversário da Resolução 1325 do Conselho de Segurança sobre Mulher, Paz e Segurança, não podemos nos conformar com a atual situação de quase exclusão.

Na sua 89a Sessão, o Comitê adotou a Recomendação Geral No. 40.

Confira aqui as contribuições dos vários atores que participaram do processo de elaboração

A Importância das Recomendações Gerais

A Recomendações Gerais, ou Comentários Gerais, dependendo do comitê de tratado, servem como um instrumento importante de interpretação, elaboração e atualização do significado dos textos das respectivas convenções, que são obrigatórias aos Estados que a ratificam. Esses documentos cumprem com papel fundamental na interpretação evolutiva dos tratados de direitos humanos, ou seja, a prática de ler o texto original dos tratados de direitos humanos à luz dos dias atuais.

No caso da Convenção CEDAW, cujo texto adotado é de 1979, novos fenômenos sociais, como o próprio conceito de gênero como hoje o é, internet, inteligência artificial e a grave crise climática, não existiam ou não estavam na agenda global à época. Portanto, o exercício contínuo das revisões periódicas, como as Recomendações/Comentários Gerais devem ser levados em conta para manter a Convenção um instrumento vivo e implementado de maneira efetiva pelos Estados partes.

A Recomendação Geral No. 4 elabora principalmente sobre os Artigos 7 (participação igualitária da mulher) e 4 (medidas temporárias especiais) e deve ser interpretada com as demais disposições da Convenção e das outras Recomendações Gerais do Comitê. Contudo, também tem relações com cada um dos demais artigos da CEDAW, no conceito de interpretação sistêmica dos tratados de direitos humanos.


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O Artigo da CEDAW 4 dispõe que:

A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais inclusive as contidas na presente
Convenção, destinada a proteger a maternidade, não se considerara discriminatória.

Nota-se que Recomendação Geral 25, em linha com as demais convenções, considerou a adoção dessas medidas (cotas, ações afirmativas e similares) como obrigatória aos Estados partes da CEDAW.

O Artigo 7 dispõe que:

Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país e, em particular, garantirão, em igualdade de condições com os homens, o direito a:
a) votar, em todas as eleições e referenda públicos e ser elegível para todos os órgãos cujos membros sejam objeto de eleições públicas;
b) participar na formulação de políticas governamentais e na execução destas, e ocupar cargos públicos e exercer todas as funções públicas em todos os planos governamentais;
c) participar em organizações e associações não-governamentais que se ocupem da vida
pública e política do país.

A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como conseqüência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

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Quando a Recomendação CEDAW define que “as mulheres têm direito a uma representação igual e inclusiva em todos os sistemas de tomada de decisão em igualdade de condições com os homens,” infere uma nova interpretação de igualdade de gênero do Artigo 1. da Convenção. A evolução interpretativa trazida pela RG 40 é a de não aceitar igualdade de representação política meramente como uma obrigação de meios, programática, com um aumento progressivo da participação das mulheres. O Comitê é taxativo ao afirmar a “‘representação igual e inclusiva’ como paridade 50:50 entre mulheres e homens em toda a sua diversidade em termos de acesso igual e poder igual dentro dos sistemas de tomada de decisão, referida como paridade no texto.” (pár. 2) e ao não aceitar as frequentes metas de 30% de representação (pár. 14) e as medidas meramente simbólicas (pár 19). O termo “inclusiva” refere-se à consideração de todas as formas intereseccional que a mulher pode sofrer, que, segundo o Comitê, é composto de uma lista não exaustiva.

A Avaliação do Comitê CEDAW nas Revisão Periódica do Brasil sobre o Tema
O Estado brasileiro submeteu-se à revisão periódica pelo Comitê CEDAW em maio de 2024, recebendo a seguinte análise sobre a participação igualitária e inclusiva da mulher:

“O Comitê toma nota dos esforços do Estado Parte com o objetivo de aumentar a participação das mulheres na vida política e pública, incluindo o projeto Mais Mulheres no Poder e o Plano Plurianual 2024-2027. No entanto, o Comitê observa com preocupação:

(a) que, apesar de constituírem quase 52% da população, as mulheres ocupam apenas aproximadamente 17% dos assentos no Congresso Nacional;

b) A prevalência da violência política e das ameaças de género, incluindo a violência em linha e as campanhas de desinformação, contra mulheres líderes políticas ou candidatas e respetivas familiares, bem como o atraso na elaboração e adoção de um plano nacional de combate à violência política contra as mulheres, apesar da criação de um grupo de trabalho interministerial encarregado de elaborar a proposta em 2023;

c) O impacto limitado das medidas especiais temporárias existentes para alcançar a igualdade substantiva entre mulheres e homens na vida política e pública, em particular aquelas para mulheres rurais, indígenas, quilombolas e afrodescendentes, mulheres lésbicas, bissexuais, transgêneros e intersexuais e mulheres com deficiência;

d) Que apenas 20 das 138 missões diplomáticas do Estado Parte são chefiadas por mulheres.”


A Avaliação do Comitê CEDAW nas Revisão Periódica dos Países Lusófonos sobre o Tema

No caso dos países lusófonos, as seguintes observações foram feitas:

Angola (2019):
“O Comitê observa que a Lei dos Partidos Políticos n.º 22/10, de 3 de dezembro de 2010, prevê um mínimo de 30 por cento de representação das mulheres nas listas dos partidos políticos que participam nas eleições gerais. Continua, no entanto, preocupado com a baixa representação das mulheres em cargos de decisão, ilustrada pela representação de 11,1% das mulheres entre os governadores provinciais, a tendência negativa na representação das mulheres no parlamento e a falta de informação disponível sobre boas práticas, como as realizações do Women’s Caucus no parlamento.

O Comitê está preocupado com o facto de os números refletirem a ineficácia das medidas especiais temporárias em vigor, que, por sua vez, terão um impacto negativo nas próximas eleições autárquicas.”

Moçambique (2019):
“O Comitê aprecia o aumento da representação das mulheres na vida política, incluindo o número de mulheres parlamentares e ministras. No entanto, está preocupado com o fato de a paridade de gênero não ter sido alcançada em tais cargos, nem no judiciário nem no serviço externo. O Comitê está particularmente preocupado com o facto de as mulheres nas zonas rurais enfrentarem barreiras, tais como custos de transporte e responsabilidades de guarda de crianças, que as impedem de participar nos conselhos consultivos distritais, não obstante a existência de quotas para a sua representação. Além disso, lamenta a falta de dados sobre o número de mulheres na polícia e nas forças armadas.”

Timor-Leste (2023):
“O Comitê regista com satisfação que a representação das mulheres no Parlamento Nacional ascende a 40 por cento, o que é o mais elevado da região. Regista igualmente o aumento do número de mulheres juízas (40% de todos os juízes). No entanto, o Comitê observa com preocupação que apenas 5 por cento dos chefes de aldeia (Xefe Suku) e apenas 4 por cento dos chefes de aldeia (Xefe Aldeia) são mulheres na sequência das últimas eleições municipais. Continua igualmente preocupado com o facto de as mulheres continuarem a estar sub-representadas em cargos de tomada de decisão, incluindo no Governo, no sistema judicial, na função pública, no serviço académico e em organizações internacionais.”

Portugal (2022):
“O Comitê observa que a paridade entre mulheres e homens foi alcançada pela primeira vez com a nova composição do Governo do Estado Parte. Congratula-se com os esforços do Estado Parte para aumentar a quota mínima para a representação de mulheres candidatas nas listas eleitorais para o parlamento e outros cargos de tomada de decisão no governo, instituições públicas e associações através da adoção de legislação, incluindo a Lei n.º 1/2019 e a Lei n.º 26/2019. O Comitê está preocupado, no entanto, com o facto de os efeitos das medidas de quotas na nova legislação continuarem a ser limitados a nível local, em particular nas assembleias de freguesia e municipais, bem como nos gabinetes municipais, incluindo nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, e de as sanções por incumprimento dessas quotas não serem suficientes para serem dissuasivas. Também está preocupado com o fato de o Estado Parte não ter medidas especiais temporárias para apoiar mulheres candidatas que aspiram a cargos políticos e públicos e que o Estado Parte não tenha uma estrutura legal para prevenir e combater o assédio político.”

Guiné-Bissau (2009):
“O Comitê está preocupado com o baixo nível de participação das mulheres da Guiné-Bissau na vida política e pública e com a sua muito baixa representação nos mais altos níveis de tomada de decisão. Embora registe planos para elaborar legislação que estabeleça uma quota de 40% para a representação das mulheres em todas as estruturas, está preocupado com o facto de as medidas para acelerar a participação igualitária das mulheres com os homens na vida política parecerem insuficientes. Também está preocupado com a ausência de medidas concretas e sustentadas tomadas pelo Estado Parte para abordar as causas subjacentes, incluindo as atitudes sociais e culturais predominantes, da falta de participação das mulheres em todas as esferas da vida pública.”

Cabo Verde (2019):
“O Comitê regista o aumento do número de mulheres no parlamento e nas assembleias municipais e que a proporção de mulheres que ocupam cargos de representantes legislativos e executivos, diretores e gestores executivos é de 43,3 por cento. O Comitê, no entanto, observa com preocupação o seguinte:

(a) A representação das mulheres no parlamento permanece baixa (23% em 2016) e diminuiu no nível ministerial (de 53% em 2010 para 21% em 2019);

(b)A representação limitada de mulheres em postos diplomáticos, organizações internacionais e judiciário;

c)O atraso na finalização do projeto de lei de paridade, que prevê a paridade de mulheres e homens nos órgãos eleitos e em cargos de liderança na administração pública;

d)O fato de os procedimentos de votação não garantirem a igualdade de direitos de voto e o princípio do voto secreto para as mulheres com deficiência;

e)A participação limitada das mulheres no desporto.”

Guiné Equatorial (2012):
“Embora tomando nota de que, como resultado da reforma constitucional (2011), o Estado Parte está empenhado em adotar medidas para aumentar a participação das mulheres na vida política e pública (art. 13.2 da Constituição), o Comitê continua preocupado com a baixa representação das mulheres na política, bem como em posições-chave no judiciário e na administração pública, incluindo o serviço estrangeiro.”

São Tomé e Príncipe (2023):
“O Comitê congratula-se com a aprovação pelo Estado Parte da Lei n.º 11/2022, sobre a paridade de género, que estabelece uma quota mínima de 40 por cento para a representação das mulheres nos órgãos eleitos e na função pública, bem como com a resolução anterior que estabelece uma quota de 30 por cento para a representação das mulheres na Assembleia Nacional. Regista, no entanto, com preocupação que as mulheres ocupam atualmente apenas 8 dos 55 lugares na Assembleia Nacional e que a sua representação na função pública e no sistema judicial continua a ser muito baixa.”

30 Anos da Conferência de Beijing

Ano próximo haverá vários processos de reflexão sobre os 30 anos dessa conferência marco sobre a igualdade de gênero. A CSW (Conferência do Status da Mulher) de 2025, em Nova York organizará um processo de análise do alcance das metas estipuladas na Conferência. O Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, dedicará dentro do seu Segmento de Alto Nível, um debate dedicado ao tema.

O IBDH dedicou sua última aula do Forum de Direitos Humanos Antônio Augusto Cançado Trindade, ministrada pela jurista Denise Dourado Dora, aos 30 anos dessa conferência. Confira abaixo:

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