No. 5o. Episódio da Série Comentários Gerais do Comitê DESC ONU, o Prof. Renato Zerbini Leão explica os contornos do Comentário Geral No. 24 (2017), sobre as obrigações dos Estados partes do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em relação às atividades empresariais.
Os Comentários Gerais (ou Observações Gerais) são instrumentos segundo os quais os Comitês de Tratados da ONU firmam entendimento sobre os direitos e as obrigações dos Estados partes. O entendimento solidificado é originado da própria prática dos Comitês em casos contenciosos e revisões periódicas dos Estados partes, e da ampla participação das partes interessadas durante as consultas para a elaboração desses instrumentos. No caso deste Comentário Geral, houve uma ampla consulta e participação de Estados, sociedade civil, comunidade acadêmica e demais partes interessadas. O conteúdo dos Comentários Gerais deve levado em consideração em conjunto com a interpretação dos próprios tratados (no caso, o PIDESC), de natureza obrigatória para os Estados que os ratifiquem. Neste contexto, formam parte de importante prática internacional.
Confira abaixo o Episódio 5:
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Transcrição do Podcast:
Saudações! Apraz-me, nessa ocasião, ressaltar o Comentário Geral no. 24, de 2017, acerca das obrigações dos Estados nos termos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no contexto das atividades empresariais.
Isso porque as empresas desempenham um papel importante na concretização dos direitos econômicos, sociais e culturais, inclusive por meio de sua contribuição para a criação de oportunidades de emprego e por meio de investimentos privados para o desenvolvimento.
No entanto, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, CDESC, tem frequentemente se deparado com situações em que, como resultado da não conformidade dos Estados, dentro de sua competência com normas e padrões de direitos humanos internacionalmente reconhecidos, as atividades empresariais têm sido um impacto negativo sobre os DESC.
O Comitê já examinou anteriormente o impacto crescente das atividades corporativas sobre o gozo de direitos especificados do Pacto relacionados à saúde, moradia, alimentação, água, seguridade social, direito ao trabalho, direito a condições justas e favoráveis de trabalho e direito de formar e participar de sindicatos. Além disso, o CDESC abordou a questão em Observações Finais sobre os relatórios dos Estados-partes e em suas primeiras opiniões sobre uma comunicação individual. Em 2011, o Comitê adotou uma Declaração sobre as obrigações do Estado em relação às responsabilidades corporativas nos contextos dos direitos estabelecidos no PIDESC.
Essa Observação Geral, Comentário Geral*, deve ser lido em conjunto com todas essas contribuições anteriores. Ele também leva em conta o progresso feito no âmbito da Organização Internacional do Trabalho e de organizações regionais, como o Conselho da Europa. Ao adotar esse Comentário Geral sobre empresas e direitos humanos, O Comitê levou em consideração os Princípios Orientadores sobre empresas e direitos humanos endossados pelo Conselho de Direitos Humanos em 2011, bem como as contribuições feitas sobre esse tema pelos órgãos de tratados de direitos humanos e vários procedimentos especiais.
O Comitê já enfatizou anteriormente que a discriminação no exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais geralmente ocorre na esfera privada, inclusive no local de trabalho e no mercado de trabalho e nos setores de habitação e empréstimos.
De acordo com os artigos 2 e 3 do PIDESC, os Estados-partes têm a obrigação de garantir o gozo dos direitos neles estabelecidos sem qualquer tipo de discriminação. A exigência de eliminar a discriminação formal e substantiva inclui a obrigação de proibir a discriminação por entidades não estatais no exercício dos DESCs.
De acordo com o direito internacional, os Estados-partes podem ser diretamente responsáveis pela ação ou inação de entidades corporativas. Então, se a empresa em questão estiver de fato agindo de acordo com as instruções desse Estado-parte ou sob seu controle ou direção ao realizar a conduta em questão, como pode ser o caso no contexto de contratos firmados por autoridades públicas.
Também, quando uma entidade corporativa estiver habilitada pela lei do Estado-parte para exercer autoridade governamental ou em circunstâncias tais que exijam tal exercício de autoridade governamental na ausência ou omissão de autoridades oficiais. Ou, finalmente, se na medida em que o Estado parte, reconhecer e adotar tal conduta como sua.
A obrigação de realizar os DESCs é violada quando os Estados-partes priorizam os interesses corporativos em detrimento dos direitos do Pacto sem justificativa adequada, ou quando implementam políticas que afetam negativamente esses direitos. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando despejos forçados são ordenados no contexto de projetos de investimento. Os valores e direitos culturais dos povos indígenas associados às suas terras ancestrais estão particularmente ameaçados.
Os Estados-partes e as empresas devem respeitar o princípio de consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas, em relação a todos os assuntos que possam afetar seus direitos, inclusive terras, territórios e recursos tradicionalmente possuídos, ocupados ou adquiridos. A obrigação de proteger significa que os Estados-partes devem prevenir efetivamente as violações dos DESC no contexto das atividades empresariais.
Isso exige que os Estados adotem medidas legislativas, administrativas, educacionais e outras medidas apropriadas para garantir a proteção efetiva contra violações dos direitos do PIDESC, relacionadas às empresas, e para fornecer acesso a recursos efetivos para vítimas de tais abusos. Por sua vez, a obrigação de cumprir exige que os Estados-partes tomem medidas necessárias no máximo de seus recursos disponíveis para facilitar e promover o gozo dos direitos do Pacto e, em alguns casos, para fornecer diretamente os bens e serviços essenciais para este gozo.
A implementação dessas obrigações pode exigir a mobilização de recursos pelo Estado, por exemplo, por meio de aplicação de sistemas de tributação progressiva. Pode exigir a cooperação e o apoio das empresas para a implementação dos direitos do PIDESC que para o cumprimento de outras normas e padrões de direitos humanos.
As obrigações extraterritoriais surgem quando o Estado-parte pode influenciar situações que ocorrem fora de seu território, de acordo com os limites impostos pelo direito internacional, controlando as atividades de empresas domiciliadas em seu território e ou sob sua jurisdição, e, dessa forma, contribuir para o gozo efetivo dos direitos econômicos, sociais e culturais fora de seu território nacional.
Os Estados-partes devem fornecer meios adequados de reparação aos indivíduos ou grupos prejudicados e garantir a responsabilidade corporativa. De preferência, isso deve assumir a forma de garantias de acesso a órgãos judiciais independentes e imparciais. Isso também deve assumir a forma de garantias de acesso a órgãos independentes e imparciais, porque o Comitê enfatizou que os outros meios de garantir a responsabilização utilizados podem ser ineficazes se não forem reforçados ou complementados por recursos judiciais. E isso é muito importante.
Finalmente, garantir que as atividades comerciais sejam realizadas de acordo com as exigências do PIDESC requer um esforço contínuo dos Estados-partes. E, para apoiar isso, os planos de ação ou estratégias nacionais devem adotar com o objetivo de garantir a plena realização dos direitos reconhecidos no PIDESC, abordando especificamente o papel das entidades empresariais na realização progressiva dos direitos consagrados no PIDESC.
Renato Zerbini Ribeiro Leão, para o podcast do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos!
Nota:
*Observações Gerais e Comentários Gerais são termos equivalentes, referindo-se a este instrumento de interpretação dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas.